sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Alguns excertos de P.P. com Bach por Glenn Gould



CONFISSÃO

   Escrever pode ser uma óptima desculpa para quem na vida não tem qualquer esperança. É uma maneira de preencher uma sombra e há momentos em que um beijo escrito vale por muitos.
   É sempre a vida, é claro, mas com a distância limpíssima das palavras. E tudo sofre de uma insuficiência que a arte tenta reparar, e falha.
   Eu espero que a esperança um dia venha e tudo isto não seja mais do que um exercício de gramática.
Pedro Paixão, "Nos Teus Braços Morreríamos" (1998)

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"Eu tinha destruído em mim todos os sonhos, todas as ambições, transformado a raiva em desprezo. Era um só no meio de uma multidão infinita e incaracterizada."
Pedro Paixão, "Amor Portátil" (1999)

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 "Construímos túneis. Caminhamos durante muito tempo. Cruzamo-nos, passamos ao lado, seguimos em frente. Por pouco não nos víamos. Continuamos. Faz escuro e faz frio. Não tenho maneira de sair."
Pedro Paixão, "barely legal" (1999)

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"O divertimento lubrifica o motor desse mundo de que o prazer é a promessa. Tudo tão frágil e brilhante como uma lâmpada eléctrica. O medo vai ocupando todo o espaço disponível. O medo é real, inamovível, enquanto o prazer fugidio, em redemoinho, escapa por entre os dedos."
Pedro Paixão, "Saudades de Nova Iorque" (2000)

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  "As imagens das coisas adquirem um poder acrescido sobre a realidade das coisas quando a destruição inerente a todas elas parece suspensa. As coisas são feitas de tempo e o tempo nada é. Assim, o nada é o seu princípio e o seu destino. Realizar imagens, de que maneira seja, mesmo quando não são imagens de coisas vistas, antes imagens interiores de estados de alma, é pretender suspender este processo, oferecer uma saída para a morte anunciada."
Pedro Paixão, "47 W 17" (2000)

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  "Há algumas semanas o meu filho, que tem onze anos, perguntou-me se havia algum país que nunca tivesse estado em guerra. Respondi-lhe que de facto não conhecia nenhum. De seguida perguntou-me porquê. Disse-lhe que não sabia, que a pergunta era muito difícil, que iria pensar nisso."
Pedro Paixão, "A Cidade Depois" (2001)

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"A princípio é um medo puro, sem objecto identificado, mas dentro em breve, como se buscasse uma qualquer coisa onde se agarrar, vai encontrar primeiro uma e depois outra e ainda outra numa cadeia infernal sobre a qual não tenho qualquer controlo e não encontro qualquer lógica. São só pensamentos dolorosos que assustam: memórias pessoais há muito enterradas, dilemas, projecções mais do que pessimistas, detalhes mórbidos de coisas que se viram ou ouviram, a incapacidade absoluta de poder resolver o mais pequeno problema que seja."
Pedro Paixão, "Girls in Bikinis" (2002)

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  "Ela vinha de bicicleta até lhe roubarem a bicicleta. Achou estranho terem-lhe roubado a bicicleta. Agora vem a pé ou de autocarro. Não pretende ter outra bicicleta. Gostava mais da sua. A besta, o demónio ou a noite, é assim que ela chama a uma tristeza muito funda como se contivesse o mal do mundo dentro de si, anda por agora adormecida. Mas ela sabe que está dentro dela, se alimenta dela, naquele silencioso sossego. Mais tarde ou mais cedo voltará, maior do que nunca."
Pedro Paixão, "Asfixia" (2006)

6 comentários:

  1. vens com erudição p´ra_qui e depois queres ter comentários! :-))

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  2. "Agora vem a pé ou de autocarro. Não pretende ter outra bicicleta. Gostava mais da sua. A besta, o demónio ou a noite, é assim que ela chama a uma tristeza muito funda como se contivesse o mal do mundo dentro de si, anda por agora adormecida" me identifico muito com esse trecho!

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    1. Olá Marga, gosto muito dos livros do Pedro Paixão.
      Beijo.

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  3. Olá Hugo! Já viste a última publicação no Facebook do Pedro Paixão?


    "Acontece-lhe ser atacado por dúvidas respeitantes ao valor da vida em geral ou da sua vida em particular, no caso de observar uma distância entre as duas? Por exemplo: Não tem ideia se terá valido a pena suportar o que já suportou até aqui ou, por um ou outro motivo, poderá vir a descobrir que valeu largamente a pena? Olhe para o céu. Se não o visse ele não seria visto por si e em qualquer dos casos não seria ele que olharia para si. Siga pelo passeio e olhe as caras das pessoas que cruza. É pela primeira vez que vê cada uma delas, todas elas iguais e diferentes. Tal como a sua. Um sinal inequívoco que não vai sozinho pela rua nem está sozinho no universo inteiro. Em Neptuno nada quer saber de nada nem de ninguém, nem sequer dos astrónomos por ele apaixonados. Mas você não é Neptuno. Você não sabe tudo mas sabe apanhar o metro, sair na estação indicada, dirigir-se para o cinema que fica na esquina e comprar bilhete na bilheteira para um filme que já viu dez vezes. As pessoas que cruza, embora não pareça, são uma companhia verdadeira. E a própria rua, e o chão debaixo dela, e a bola de magma incandescente por debaixo do chão, existem para que possa continuar a caminhar na rua olhando as caras iguais e diferentes com quem se cruza, uma delas de cabelo de oiro e pestanas do tamanho de Neptuno. Tudo isso é para si. O que não invalida, ou exclui, que tudo de igual modo seja para cada uma das pessoas que vai cruzando na sua incerta vida. Se não fosse incerta não valeria a pena, pelo menos teria muito menos valor, porque o previsível não espanta. "

    https://pt-br.facebook.com/pedropaixaoescritor

    Beijo grande!

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