domingo, 20 de abril de 2014

Gabriel García Márquez (1927-2014)

Até Sempre, Gabo!

Aqui ficam três excertos, escolhidos um pouco ao acaso, dos três livros que li de Gabo.

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"Remedios, a bela, foi a única a permanecer imune à epidemia das bananeiras. Deteve-se numa adolescência magnífica, cada vez mais impermeável aos formalismos, mais indiferente à malícia e à desconfiança, feliz num mundo próprio de realidades simples. Não percebia por que razão as mulheres complicavam a vida com corpetes e saiotes, de modo que coseu um balandrau de canhamaço que enfiava simplesmente pela cabeça e resolvia sem mais delongas o problema de se vestir, sem lhe tirar a impressão de estar nua, que era, na sua maneira de ver as coisas, a única forma decente de estar em casa. Aborreceram-na tanto para que cortasse o cabelo tão comprido que lhe chegava às barrigas das pernas e para que fizesse carrapitos com travessas e tranças com laços coloridos, que muito simplesmente rapou a cabeça e fez perucas para os santos. O que era espantoso no seu instinto simplificador era que quanto mais se desembaraçava da moda em busca da comodidade, quanto mais passava por cima dos convencionalismos obedecendo à espontaneidade, mais perturbadora se tornava a sua beleza incrível e mais provocador o seu comportamento com os homens."
Gabriel García Márquez, "Cem Anos de Solidão" (1967)

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"Num desses numerosos agostos, enquanto lia o jornal no terraço, o presidente deu um pulo de espanto.
   -Ah, caramba! - disse ele. - Morri no Estoril!
   A mulher, pairando no seu torpor, surpreendeu-se com a notícia. Eram seis linhas na página cinco do jornal impresso ao dobrar da esquina, que ocasionalmente publicava traduções suas, e cujo director o visitava de vez em quando. E agora esse jornal dizia que ele morrera no Estoril, ao pé de Lisboa, praia de banhos e refúgio da decadência europeia, sítio onde nunca estivera, e que talvez fosse o único lugar do mundo onde não gostaria de morrer."
Gabriel García Márquez, conto "Boa Viagem, Senhor Presidente" de "Doze Contos Peregrinos" (1992)

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"Mas o poder - como o amor - tem dois gumes: exerce-se e sofre-se. Ao mesmo tempo que gera um estado de levitação pura, gera também o seu contrário: a procura de uma felicidade irresistível e fugidia, só comparável à procura de um amor idealizado, que se anseia, mas se teme, persegue-se, mas nunca se alcança."
Gabriel García Márquez, "Notícia de um sequestro" (1996)

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