quarta-feira, 6 de março de 2013

Hugo Chávez (1954-2013)


Morreu Hugo Chávez vítima de cancro. Ontem quando soube da notícia, ainda tive um impulso imediato para escrever algo acerca desta personagem. Mas o cansaço e o embrutecimento próprios de um Ser ridículo como eu, felizmente impediram a concretização de tal impulso. Contudo, lembrei-me de um texto, um excelente texto, escrito nas vésperas das Eleições Presidenciais Venezuelanas em Outubro,  por Ignacio Ramonet e Jean-Luc Mélenchon. Como estas lembranças de textos brilhantes costumam ser colectivas, foi fácil descobrir o texto para prontamente o transcrever aqui no meu modesto Blog. Atenção, que eu nunca fui dado a cultos de personalidade ou algo que o valha! E continuo igual, para bem da minha sanidade mental (que é pouca). Isso não me impede de ver neste Homem uma afronta aos poderes financeiros instituídos nesta globalização que se se quer amorfa em termos políticos contrários! Como diz o texto que de seguida podem ler, "A Venezuela bolivariana é uma fonte de inspiração da qual nos nutrimos, sem fechar os olhos e sem inocência". É isso, a Esquerda nunca pode perder o sentido crítico do que não está bem, o Poder não pode embriagar em demasia, para não se correr o risco de se desvirtuar a força que leva à transformação!
                                                                                                                                               


O porquê do ódio a Chávez

Um líder político deve ser valorizado pelos seus actos, não por rumores veiculados contra ele. Os candidatos fazem promessas para ser eleitos: poucos são aqueles que, uma vez no poder, cumprem tais promessas. Desde o início, a proposta eleitoral de Chávez foi muito clara: trabalhar em benefício dos pobres, ou seja – naquele momento – a maioria dos venezuelanos. E cumpriu sua palavra.
Por isso, este é o momento de recordar o que está verdadeiramente em jogo nesta eleição, agora que o povo venezuelano é convocado a votar. A Venezuela é um país muito rico, pelos fabulosos tesouros de seu subsolo, em particular o petróleo. Mas quase toda essa riqueza estava nas mãos da elite política e das empresas transnacionais. Até 1999, o povo só recebia migalhas. Os governos que se alternavam, social-democratas ou democrata-cristãos, corruptos e submetidos aos mercados, privatizavam indiscriminadamente. Mais de metade dos venezuelanos vivia abaixo da linha de pobreza (70,8% em 1996).
Chávez fez a vontade política prevalecer. Domesticou os mercados, deteve a ofensiva neoliberal e posteriormente, graças ao envolvimento popular, fez o Estado se reapropriar dos sectores estratégicos da economia. Recuperou a soberania nacional. E com ela, avançou na redistribuição da riqueza, a favor dos serviços públicos e dos esquecidos. Políticas sociais, investimento público, nacionalizações, reforma agrária, quase pleno-emprego, salário mínimo, imperativos ecológicos, acesso à moradia, direito à saúde, à educação, à aposentadoria… Chávez também se dedicou à construção de um Estado moderno. Colocou em marcha uma ambiciosa política de planeamento do uso do território: estradas, ferrovias, portos, represas, gasodutos, oleodutos.
Na política externa, apostou na integração latino-americana e privilegiou os eixos sul-sul, ao mesmo tempo que impunha aos Estados Unidos uma relação baseada no respeito mútuo… O impulso da Venezuela desencadeou uma verdadeira onda de revoluções progressistas na América Latina, convertendo este continente num exemplo de resistência das esquerdas frente aos estragos causados pelo neoliberalismo.
Tal furacão de mudanças inverteu as estruturas tradicionais do poder e trouxe a refundação de uma sociedade que até então havia sido hierárquica, vertical e elitista. Isso só podia desencadear o ódio das classes dominantes, convencidas de serem donas legítimas do país. São essas classes burguesas que, com os seus amigos protectores e Washington, vivem financiando as grandes campanhas de difamação contra Chávez. Até chegaram a organizar – junto com os grandes meios de comunicação que lhes pertencem – um golpe de Estado, a 11 de Abril de 2002.
Estas campanhas continuam hoje em dia e certos sectores políticos e mediáticos encarregam-se de fazer coro com elas. Assumindo – lamentavelmente – a repetição de pontos de vista como se isto demonstrasse que estão correctos, e as mentes simples acabam por acreditar que Hugo Chávez está a implantar um “regime ditatorial no qual não há liberdade de expressão”.
Mas os factos são teimosos. Alguém viu um “regime ditatorial” estender os limites da democracia em vez de restringi-los? E conceder o direito de voto a milhões de pessoas até então excluídas? As eleições na Venezuela só aconteciam a cada quatro anos, Chávez organizou mais de uma por ano (catorze, em treze anos), em condições de legalidade democrática, reconhecidas pela ONU, pela União Europeia, pela OEA, pelo Centro Carter, etc. Chávez demonstrou que é possível construir o socialismo em liberdade e democracia. E ainda converte esse carácter democrático numa condição para o processo de transformação social. Chávez provou o seu respeito à vontade do povo, abandonando uma reforma constitucional rejeitada pelos eleitores num referendo em 2007. Não é por acaso que a Fundação para o Avanço Democrático [Foundation for Democratic Advancement] (FDA), do Canadá, num estudo publicado em 2011, colocou a Venezuela em primeiro lugar na lista dos países que respeitam a justiça eleitoral.
O governo de Hugo Chávez dedica 43,2% do orçamento a políticas sociais. Resultado: a taxa de mortalidade infantil caiu pela metade. O analfabetismo foi erradicado. O número de professores, multiplicado por cinco (de 65 mil para 350 mil). O país apresenta o maior coeficiente de Gini (que mede a desigualdade) da América Latina. Num relatório de Janeiro de 2012, a Comissão Económica para América Latina e Caribe (Cepal, uma agência da ONU) estabelece que a Venezuela é o país sul americano que alcançou (junto com o Equador), entre 1996 e 2010, a maior redução da taxa de pobreza. Finalmente, o instituto norte americano de pesquisa Gallup coloca o país de Hugo Chávez como a sexta nação “mais feliz do mundo”.
O mais escandaloso, na actual campanha difamatória, é a pretensão de que a liberdade de expressão esteja restrita na Venezuela. A verdade é que o sector privado, contrário a Chávez, controla amplamente os meios de comunicação. Qualquer um pode comprovar isso. De 111 canais de televisão, 61 são privados, 37 comunitários e 13 públicos. Com a particularidade de que a parte da audiência dos canais públicos não passa de 5,4%, enquanto a dos canais privados supera 61%… O mesmo cenário repete-se nos meios radiofónicos. E 80% da imprensa escrita está nas mãos da oposição, sendo que os jornais diários mais influentes – El Universal e El Nacional – são abertamente contrários ao governo.
Nada é perfeito, naturalmente, na Venezuela bolivariana – e onde existe um regime perfeito? Mas nada justifica essas campanhas de mentiras e ódio. A nova Venezuela é a ponta da lança da onda democrática que, na América Latina, varreu os regimes oligárquicos de nove países, logo depois da queda do Muro de Berlim, quando alguns previram o “fim da história” e o “choque de civilizações” como únicos horizontes para a humanidade.
A Venezuela bolivariana é uma fonte de inspiração da qual nos nutrimos, sem fechar os olhos e sem inocência. Com orgulho, no entanto, de estar do lado bom da barricada e de reservar os nossos ataques ao poder imperial dos Estados Unidos, aos seus aliados do Médio Oriente, tão firmemente protegidos, e a qualquer situação onde reinem o dinheiro e os privilégios. Porque Chávez desperta tanto rancor em seus adversários? Sem dúvida, porque, assim como fez Bolívar, soube emancipar o seu povo da resignação. E abrir o apetite pelo impossível.
Texto de Ignacio Ramonet e Jean-Luc Mélenchon.
Tradução de Daniela Frabasile.

Como o português da tradução não era o mais correcto, tomei a liberdade de o emendar em algumas frases. Essa emenda apenas foi feita por mim a 07-03-2013 às 16:10, pedindo, ainda assim, desculpa por uma tradução da qual não sou responsável. Agora, o excelente texto de Ramonet e Mélenchon já pode ser lido num português mais aceitável.  

1 comentário:

  1. ~Hugo:
    Um homem com ideais que lutou contra gigantes e os venceu.
    Mas a morte não perdoa.
    Paz à sua alma.

    beijinho

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