Fotografia de Jorge Simão |
Fernando Lopes juntamente com Paulo Rocha, António de Macedo, Cunha Telles, Fonseca e Costa, António Pedro Vasconcelos, João César Monteiro, Seixas Santos, entre outros, foram a nova vaga do Cinema Português. Inventaram um Cinema Novo, propondo um corte radical com o passado. Alguns deles conspiravam contra o regime à mesa da pastelaria VáVá. Uma dessas primeiras obras que inauguram este movimento, é "Os Verdes Anos"(1963) do Paulo Rocha. E é para mim um dos filmes mais belos de sempre! "Belarmino"(1964) de Fernando Lopes é também uma dessas obras inaugurais. Segundo o próprio realizador é um documentário ficcional sobre Belarmino Fragoso, 32 anos, pugilista (ou "boxeiro", como ele diz), ex-campeão nacional disposto "a levar porrada - para dar já não posso, não tenho idade". Destaco nesta obra as belíssimas imagens do antigo Estádio José Alvalade nos anos 60, antes da bancada nova e onde podemos ver Belarmino correr. São bem visíveis as dificuldades económicas de Belarmino, com as quais certamente muitos portugueses se identificavam. Refiro também "Uma Abelha na Chuva" (1972), filme que adapta o belíssimo livro homónimo de Carlos de Oliveira. Também filmado a preto e branco como "Belarmino", faz uso da repetição, da dessincronização da montagem sonora e da fotografia, como elementos fundamentais para a compreensão do todo e como partes indissociáveis da narrativa. A propósito disto, Fernando Lopes disse o seguinte : "Há duas possibilidades num filme. Uma é a imagem. Outra é o som. Posso estar a contar uma história na imagem e contar outra no som, como fiz na 'Abelha...'" Mas a obra que mais me fascina no universo do Lopes é o "Nós por cá todos bem"(1977). Por um lado, a obra integra-se num projecto que era o de realizarem os cineastas portugueses um "Museu da Imagem e do Som" que registasse de um ponto de vista etnográfico e documental a vida da província e dos meios rurais. Por outro lado, a película contém cenas ficcionadas que se se subdividem em registos variados. Uma dessas sequências é a do poema "Coro das criadas de servir" de O'Neill, musicado por Sérgio Godinho (momento de Cinema Musical belíssimo). Ainda em relação aos momentos ficcionados, torna-se inesquecível a parte da Lia Gama enquanto prostituta a iniciar o rapaz que o pai leva ao bordel. A articulação de um projecto quase etnográfico com um projecto de Cinema ficcionado, não cai bem na crítica da altura. O que para mim é um ponto assente é que a alegada quebra de unidade de "Nós por cá todos bem" nem sequer se coloca como questão relevante para apreciações menos abonatórias. Pelo contrário, é isso precisamente que confere a esta obra uma originalidade e uma importância subversiva na História do Cinema Português. Por último, ainda em relação a esta obra, a forma como dá a imagem e som da sua própria elaboração, o Cinema dentro do Cinema, faz lembrar de imediato Godard! Outro filme com o qual simpatizo consideravelmente, é "O Delfim"(2002), baseado no fantástico livro homónimo de José Cardoso Pires. Mas convém salientar que tanto no caso de "Uma Abelha na Chuva" como de "O Delfim", eu gostei mais do livro... Depois de 2002 não vi mais nenhuma obra do Fernando Lopes, por isso não posso falar desse período. Fui-me afastando do Cinema e ainda não voltei...
Lembro-me de ver o Sr. Lopes por Lisboa, várias vezes. Sempre sozinho. Uma vez, enquanto bebia a minha cerveja num café/restaurante da Rua Actor Taborda (salvo o erro), e enquanto lia um livro de poesia... Sim, algumas vezes quando eu bebia sozinho, lia livros de poesia... Ele, o Sr. Lopes estava sentado ao balcão sem que eu desse por isso imediatamente. Reparei que tinha aparelho auditivo, o que me confirmou um facto malévolo nalguns cinéfilos mais acérrimos da minha querida Cinemateca. Não tive coragem de meter conversa com ele, mas surpreendeu-me que bebesse uma cerveja como eu...
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