domingo, 26 de junho de 2011

"História Trágica com Final Feliz"



 "Era uma vez uma menina cujo coração batia mais rápido que o das outras pessoas.
Isso incomodava toda a gente, por causa do barulho...O coração batia tão alto!
Ela tentava explicar : 'É um coração de pássaro... Eu estou no corpo errado!... Daí o coração bater tão rápido... Eu sou um pássaro!...'
'O que é que disse?... É tolinha... Não deve durar muito...'
Então ela fugia... Ela só queria desaparecer, deixar-se levar pelo vento...
Finalmente, a chuva acalmava-a, então ela voltava para casa e continuava a viver, apesar de tudo...
Pouco a pouco, as pessoas foram-se habituando ao barulho do coração...
Acabaram mesmo por esquecê-la...
Ninguém se apercebeu do que se passava e isso era bom para ela...
Também ela se habituava... Começou mesmo a gostar do seu corpo...
E sentia-se cada vez mais leve... Ninguém reparou como sorria, de olhos postos no céu.
Até que, um dia...
As pessoas já não sabiam se era alguém que morria, ou alguém que nascia...
Mas uma coisa era certa, ninguém se importaria de partir assim."
                              A voz que se ouve dizer este texto é de Manuela Azevedo dos Clã

"As histórias que gosto contar são sempre simples, acerca de pessoas que conheci. Umas ainda vivem, outras já morreram. Tiveram vidas anónimas ou ignoradas, passaram despercebidas por este mundo e rapidamente foram esquecidas. Interessam-me os mistérios, os pequenos dramas e a poesia que se escondem nas suas vidas aparentemente banais. São elas os meus heróis e as minhas referências.
As ideias deste filme surgiram num trabalho de gravura e serigrafia, enquanto estava a estudar nas Belas Artes, cada frase inspirava uma gravura e cada imagem sugeria uma nova frase e assim foram surgindo novos desafias técnicos e estéticos. Um longo processo de produção se seguiu.
Seguimos uma menina e descobrimos que ela não é igual às outras pessoas, é 'diferente'. O traço que a faz diferir não só incomoda a comunidade a que pertence, como se traduz por um profundo sofrimento individual. A comunidade e a menina reagem à diferença, a primeira manifestando a sua intolerância, a segunda isolando-se.
Com o tempo, a comunidade acaba por habituar-se insensivelmente à presença da diferença, distanciando-a, mas ao mesmo tempo integrando-a na voragem do seu quotidiano.
Porém as diferenças existem, persistem e são irredutíveis. Certas vezes possuem razão de ser e correspondem a estados temporários de trânsito para outros estados de existência, certas vezes são fatais... Seja como for, devem ser assumidas por quem as vive para a levarem a um melhor conhecimento de si própria e a uma mais intensa consciência do mundo.
Um dia partirá e deixará a comunidade, que compreenderá, demasiado tarde, que o tal ser estranho que sempre mantivera à distância, tinha acabado por fazer misteriosamente parte da sua vida..."
                           Regina Pessoa acerca desta sua obra-prima inesgotável

Regina Pessoa nasceu em Coimbra, em 1969.
Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Em 1992, começa a trabalhar no Filmógrafo (do Abi Feijó, pois claro), onde colabora como animadora em vários filmes. Em 1999 realiza a sua primeira curta-metragem de animação "A Noite". Em 2005 realiza esta obra-prima inesgotável, utilizando e desenvolvendo a sua técnica de gravura.
Para mim, é uma das obras maiores do Cinema de Animação. Também por isso, vale a pena ler mais alguma coisa de Regina Pessoa acerca dela própria, para compreendermos melhor o universo fascinante desta Artista.

  "Vivi no campo, numa aldeia perto de Coimbra até aos 17 anos. O meu universo era rural. E não tínhamos televisão, o que na altura era uma grande maçada. Mas hoje, reflectindo bem, acho que isso me ajudou...Nos tempos livres pensávamos, líamos e ouvíamos os mais velhos contarem histórias.
E desenhávamos também.
O tio Tomás encorajava-nos, desenhando nas paredes de cal e nas portas de casa da minha avó, com carvão da fogueira. O facto de desenharmos assim, pelas paredes, sobretudo incentivados por um adulto, dava-nos uma grande sensação de liberdade, porque se, por um lado não tínhamos papel nem lápis, não faltavam paredes, portas e carvão.
Talvez isso tenha ficado gravado no meu inconsciente porque, muito tempo depois, é já o segundo filme que faço em gravura."
    Fascinante este depoimento da Regina, e só por isto deveria bater o record de visitas no meu blog!

9 comentários:

  1. Fascinante mesmo, Hugo! Para mim, então, que estou aqui do outro lado do oceano, é tudo novo e fiquei encantada! Adoro vir aqui. Um beijo, bom domingo

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  2. ah, não posso deixar de falar que adorei a voz da narradora e como ela pronuncia, no final, alguém que "nascia", tão lindo...

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  3. Oi Hugo, cada ser humano é um portal para a imensidão. A sociedade procura a todo custo, impedir que o indivíduo se liberte em sua plenitude, pois teme seu desprendimento. Ainda bem que existem as artes, os artistas e suas criações. São "pontes" que nos levam às verdadeiras dimensões de nossa alma. Adorei a animação. Abs. Paulo

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  4. Adorei!
    Deixo só uma frase como "moral da história":
    Só damos valor às pessoas/coisas quando não as temos ou elas se vão...
    Beijinho Huguinho :)

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  5. Estive na quinta, sexta e sábado numa oficina de cinema de animação. Dois dos livros que os formadores trouxeram para demonstração dos movimentos das imagens eram esta história. Lembrei-me de ti. Acho que ías gostar do workshop. :)

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  6. Vim aqui retribuir a visita, e me deparo com um presente, gosto tanto disso, destas coisas do acaso... Sempre que me visitam no meu canto gosto de ver o que tem pra mim, exatamente essa menina eu sou! Meu coração bate forte demais, assusta! As pessoas se incomodam, não entendem, mas ainda me recuso a entrar no meio da multidão para quem nem eu mesma o escute, estou numa luta, quero descobrir-me, assumir-me como sou, como disse... quero ganhar a minha consciencia e a do mundo! Era o que eu precisava hoje...

    Obrigada amigo!

    beijos no coração

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  7. tive que levar ao meu blog... beijos no coração!

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  8. Belissimo :)
    Grata pela partilha.

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  9. Belíssimo, fabuloso, adorei o blog, e esse post em especial, muito rico, a obra dela é fascinante, e a mensagem desse fragmento é muito linda, acabo de adotar esse blog, meu ponto de referencia, muito bom mesmo, é isso .
    beijos

    nova seguidora .

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